quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O dom de aprendiz

Escrito por Paulo Sacaldassy in oficinadeteatro.com


Como tudo nessa vida, o teatro também necessita de muito estudo e esse estudo precisa ser continuo. O artista que acha já saber de tudo, acaba ficando pelo caminho, pois chegará um momento, em que não interessará o quanto ele tem de talento e de experiência, o que importará mesmo é saber se esse artista, pratica o seu dom de aprendiz.

Não é só porque já subiu em um palco, que já recebeu um ou mais prêmios, que possua até uma certa visibilidade ou que seja de certa forma famoso, que o artista disponha de conhecimento suficiente e definitivo de sua arte. O aprimoramento de sua arte precisa fazer parte de sua rotina, até mesmo para que ele possa reciclar as idéias e as técnicas que aprendeu até então.

A sede de conhecimento deve acompanhar toda a vida do artista e ele precisa estar disposto a reservar parte de seu tempo para aprimorar o seu conhecimento, seja teórico ou prático, e assim, se tornar um artista cada vez melhor.

Muitas vezes, o artista necessita dispor de mais tempo estudando e se aprimorando, do que exercendo a sua arte. Quem pensa diferente, com certeza enfrentará sérias dificuldades e dificilmente prosseguirá exercendo a sua arte, a menos que não se importe com as críticas que venha a receber.

Não pensem que teatro é fácil, pois não é. Não pensem que teatro é só aquilo que se assiste quando se abrem as cortinas. Teatro levado a sério, como uma carreira, exige a mesma disposição que é dada a qualquer outra profissão e nem sempre os esforços são reconhecidos.
O dom de aprendiz é bem mais importante do que o dom para arte, pois só o talento não sustenta a carreira de um artista, ele precisa sempre, lançar mão do seu dom de aprendiz. O artista precisa ter em mente que o conhecimento é a ferramenta que pode fazer a diferença entre uma carreira de sucessos e uma outra de fracassos, afinal de contas, aprender nunca é demais.

Por isso, procure praticar mais o seu dom de aprendiz, para que o dom que você tem para sua arte, realmente faça a diferença.

Vale tudo por um público?

Escrito por Paulo Sacaldassy in oficinadeteatro.com

Cada vez mais, as comédias escrachadas, os espetáculos chamados "besteirol", os "stand-up comedy" e coisas do tipo vão ganhando força e angariando cada vez mais público. É fato que o público de hoje em dia anda ávido por comédia, quer o riso fácil. Diz que de tristeza, basta a vida! Mas, será que vale tudo por um público?

Essa é uma dúvida que sempre pairará na hora de se produzir um espetáculo teatral. Optar por um clássico ou algo extremamente dramático ou partir para algo do tipo comédia da qual o público sempre estará disposto a assistir? Afinal de contas, é preciso garantir o leitinho das crianças, não é mesmo? Isso acaba pesado na hora da decisão de quem vive de arte. Que atire a primeira pedra, aquele que nunca teve de realizar um trabalho apenas pelo dinheiro, ignorando a qualidade artística do projeto.

Talvez, o ideal seria conseguir encontrar o equilíbrio e apresentar uma comédia que causasse o riso fácil e tivesse um texto com um pouco mais de profundidade, mas, nem sempre se encontra algo assim. Acontece que tem hora que é bem mais fácil ir na certa e garantir a bilheteria, porque tem vezes que desanima fazer apresentações com diálogos profundos e fazê-las para meia dúzia de gatos pingados.

O fato é que não cabe ficar aqui julgando que quem está certo é quem opta por apresentar comédias escrachadas ou quem prefere clássicos, teorias filosóficas e melodramas. A questão é saber se o artista está disposto a se "vender" para atender a vontade do público. Cada um deve saber o seu preço e o que quer do Teatro.

Por mais que muitos roguem pragas, desconjurem e queiram exorcizar aqueles que preferem " vender" a alma para o capitalismo selvagem, precisa-se medir sem preconceitos, o contexto do trabalho. Não é porque se trata de uma comédia, que não pode ser legal. Radicalismo não faz bem para nenhum dos lados.

É certo que essa questão causa e causará discussões infindáveis e que cada lado tentará mostrar a qualidade de sua arte, muito embora, todos sabemos que tem coisas por aí que chamam de arte, que pelo amor de Deus!... Mas isso é assunto pra depois.

O que não pode ser esquecido é que a opção também é do público. É ele quem está atrás das comédias escrachadas, dos "besteiróis", dos "stand-up comedy". O problema não é único e exclusivo do artista, talvez o público prefira mesmo "emburrecer" ou simplesmente se entreter sem maiores questionamentos e reflexôes.

A verdade sobre esse assunto é que os "don quixotes" do teatro continuarão correndo atrás dos seus moinhos de vento, alguns não tão radicais sobre essa questão, tentarão encontrar um meio termo e outros tantos, que pensam a arte como um simples produto de entretenimento, estarão sempre dispostos a venderem suas almas ao diabo, para poderem contar com o teatro entupido de gente.


O Preço do Patrocínio

Escrito por rutinaldomiranda in oficinadeteatro.com


Se até morrer dá despesa, montar um espetáculo não é diferente. Mesmo colocando em prática a proposta de “um Teatro pobre” defendida por Grotowski, renunciando ao cenário, palco e qualquer apetrecho que não seja o próprio ator e seu corpo como único suporte para teatralização, não tem jeito. Vai ser preciso botar a mão no bolso, assinar um cheque ou passar o cartão, para pagar alguma coisa. Até porque essa “pobreza” defendida por Grotowski trata-se de despojamento, não significa a pindaíba que a maioria sofredora que faz teatro está acostumada.

Infelizmente, qualquer alma mão-de-vaca tem de admitir que gastar é inevitável. As despesas possuem o seu caráter de imprevisibilidade. Elas surgem de tudo que é lado, quando menos se espera. E é isso que dá raiva! Em cena a atriz torceu o pé? Tem que levar pro pronto-socorro. Vai ser de graça? Mesmo levando a coitada numa cadeirinha feita no braço, depende. Se ela agüentar cinco meses para tirar uma radiografia pelo SUS e o diretor não precisar de uma personagem eternamente manca, tudo bem. Ou então a saída é buscar o dito patrocínio.

O patrocínio é visto como a solução providencial. E no fundo aí está uma grande verdade. Ele pode ser considerado o maná que salva a companhia ou grupo teatral de ficar a ver navios. É a grana, a bufunfa, o capim. Mas nem tudo são flores nem notas de cem reais. Há um lado obscuro do patrocínio. Ele cobra o seu preço. O problema é que submete o teor da peça à aprovação do patrocinador. Nada demais, à primeira vista. Muito natural, por sinal. Só banco o que gosto. Afinal, “eu tô pagaaaandoo!” E ninguém, acredito eu, é idiota o bastante para achar que alguém ou alguma empresa vai gastar seu dinheiro naquilo que possa lhe incomodar. Não, não vai. Nada de comprometer uma zelosa imagem, bancando uma peça “porra-louca” que possa desagradar a clientes ou amigos. Negócios são negócios, arte à parte. É obsceno, mas não é ilegal. Fazer o quê! A arte só tem seu real e imensurável valor na cabeça do artista mesmo. Mas uma questão precisa ser levantada. Peças teatrais interessantes, que possam suscitar alguma polêmica, tratando de questões indigestas, costumam pagar o pato pela sua ousadia, ficando somente no papel.

O cemitério das peças anônimas que foram abortadas por falta de patrocínio está repleto de asneiras, mas também de criatividade. Daí aquela impressão, que paira sobre nossas cabeças, de que o teatro está rançoso e todas as suas propaladas manifestações subversivas não surpreendem nem mesmo nossos avós, ter fundamento. O que está badalado e em cartaz parece tudo igual, com temas batidos e adaptações exaustivas dos clássicos. Nem as velhas apelações surtem mais efeito. Genitálias à mostra e palavrões a torto e a direito, que peninha!, mas já está tão démodé. Felizmente.

Para não se instalar o tédio, renovar é preciso. Só que a renovação carece muitas vezes de textos que geram polêmica e criam mal-estar, para abrir seus caminhos. Porém isso não é uma regra, o que no final das contas é ainda mais triste. Sem se destacar pela polêmica, mas empregando a valiosa criatividade, muitos dramaturgos não contribuem para enriquecer nosso cenário teatral, porque simplesmente têm o seu talento ignorado. Afinal, mais do que arte, o teatro se tornou um negócio. Produtores pouco ou nada comprometidos com a qualidade optam pelo caminho mais fácil e cômodo do sucesso. Montam somente peças estrangeiras para dar maior credibilidade e obter patrocínio. Até porque, quando dizem que lá fora algo é bom, aqui é difícil se contestar. Diarréia de gringo aqui é purê (torço para que algum filósofo esteja de plantão e registre estes meus sábios aforismos).

O fato é que desconfio, quando mega-empresas públicas ou privadas se auto-intitulam grandes patrocinadoras da “cultura”. Podem até gastar toneladas de dinheiro. Mas que cultura é essa de que estão falando? Cultura mesmo no sentido amplo da palavra ou uma cultura com restrições? Há uma grande tentação para quem gosta de pôr o cabresto de mostrar a “cultura” que apenas lhe interessa. A cultura para turista ver e o nativo adotar recheada de alienação. Será que existe espaço para arte cênica que contesta e denuncia? Uma arte que padece da censura que o patrocínio lhe cobra. Desconfie. Da próxima vez que for a um teatro, repare se não está vendo gato por lebre.

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